DISCALCULIA E O ENSINO DE FÍSICA: UM DESAFIO INTERDISCIPLINAR PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
1. INTRODUÇÃO
Na escola, é comum ouvir frases como:
“Professor, eu entendo a explicação, mas na hora da conta eu travo.”
Essa fala, recorrente nas aulas de Física, pode revelar mais do que uma dificuldade momentânea. Pode ser um indício de discalculia, um transtorno de aprendizagem específico que afeta diretamente o desempenho dos estudantes em disciplinas como a Física, onde a matemática é uma linguagem essencial.
Este trabalho propõe uma análise crítica, interdisciplinar e atualizada sobre o impacto da discalculia no ensino de Física, apontando caminhos possíveis para uma prática pedagógica mais inclusiva, significativa e eficaz.
2. O QUE É DISCALCULIA?
A discalculia é um transtorno neurológico específico de aprendizagem que compromete a capacidade de compreender, manipular e usar números e raciocínios matemáticos. Ela pode afetar a memória de curto prazo, o entendimento de símbolos matemáticos, a contagem, a lógica numérica e a resolução de problemas simples.
2.1 Sintomas comuns no contexto da Física:
Dificuldade em manipular fórmulas físicas básicas;
Insegurança com unidades de medida e conversões;
Erros recorrentes em gráficos, proporções e escalas;
Dificuldade em identificar relações quantitativas entre grandezas;
Ansiedade em avaliações práticas e teóricas que envolvam cálculos.
3. EMBASAMENTO LEGAL: BNCC E LDB
3.1 LDB (Lei nº 9.394/96):
Art. 58 e 59: Defende o direito de todos os alunos ao acesso e permanência com qualidade, oferecendo currículo adaptado e atendimento especializado aos que apresentem necessidades específicas.
Art. 4º: Garante igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
3.2 BNCC (Base Nacional Comum Curricular):
A BNCC reconhece as diferenças individuais dos alunos e propõe o desenvolvimento de competências e habilidades que envolvem raciocínio lógico, resolução de problemas e compreensão de fenômenos científicos.
Na área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Ensino Médio):
Favorece a investigação científica e a compreensão do mundo físico por meio da experimentação e da análise matemática;
Reforça a necessidade de contextualização dos conteúdos físicos, promovendo o protagonismo do estudante.
4. DISCALCULIA E FÍSICA: UM DESAFIO MULTIDIMENSIONAL
A Física exige o uso frequente de operações matemáticas, álgebra, gráficos, funções, proporções, medidas e abstrações. Para o aluno com discalculia, isso representa um obstáculo cognitivo real.
Exemplo do dia a dia:
Um estudante com discalculia pode compreender bem o conceito de velocidade (entende que andar rápido é diferente de andar devagar), mas apresentar dificuldades em aplicar a fórmula , por não saber dividir ou por não entender o significado do símbolo da fração.
5. ESTRATÉGIAS INTERDISCIPLINARES E INCLUSIVAS
5.1 Com Matemática:
Trabalhar juntas as unidades de Matemática e Física, priorizando atividades práticas, como leitura de gráficos, resolução de problemas com apoio visual e jogos lógicos.
Utilizar o ensino por investigação e a resolução orientada de problemas.
5.2 Com Língua Portuguesa:
Estimular a interpretação textual de problemas físicos, antes da resolução matemática.
Produzir pequenos textos ou roteiros explicativos sobre fenômenos físicos cotidianos, promovendo o letramento científico.
5.3 Com Arte e Tecnologias:
Representar leis físicas por meio de desenhos, esquemas e infográficos.
Usar softwares educativos, vídeos animados e simuladores interativos (como o PhET) para visualizar fenômenos físicos.
5.4 Com Educação Física:
Explorar conceitos como velocidade, tempo e aceleração em jogos e corridas;
Medir e comparar desempenhos em atividades físicas, trabalhando grandezas físicas com o corpo em movimento.
6. METODOLOGIAS ATIVAS COMO CAMINHO POSSÍVEL
Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP):
Propor projetos como “Construção de uma ponte com palitos e cálculo da força que ela suporta”;
Trabalhar conceitos como massa, força e equilíbrio com materiais simples.
Sala de Aula Invertida:
Antecipar os conceitos teóricos por meio de vídeos e podcasts, e usar o tempo em sala para resolução de problemas com apoio e mediação docente.
Gamificação:
Utilizar jogos como “Escape Room da Física” com pistas que envolvem raciocínio lógico e fórmulas simplificadas.
7. O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA
Para que o ensino de Física seja acessível ao aluno com discalculia, é necessário:
Conhecer os sinais do transtorno;
Trabalhar de forma interdisciplinar e colaborativa;
Adotar práticas inclusivas e adaptadas;
Desenvolver empatia e paciência diante da diversidade de ritmos;
Buscar formação continuada em educação inclusiva e neurociências.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discalculia não deve ser vista como um obstáculo intransponível, mas como um convite para repensar as práticas pedagógicas. Ensinar Física com foco na compreensão, experimentação e interdisciplinaridade transforma a sala de aula em um espaço de possibilidades, e não de exclusão.
Física é mais que fórmulas: é linguagem do mundo! Todos os alunos têm o direito de compreendê-la.
9. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, nº 9.394/1996.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – BNCC, 2018.
BUTTERWORTH, Brian. O Cérebro Matemático. Artmed, 2005.
FONSECA, Vitor da. Discalculia: da teoria à prática. Porto Editora, 2016.
MOREIRA, Marco Antônio. A Aprendizagem Significativa na Prática. Editora Associados, 2011.